
Ilusionismo Político: distraindo que taxar a Shopee não é popular
A primeira lição para qualquer ilusionista é saber distrair sua plateia. Ilusionismo é quando o artista prende a atenção do público em uma direção e o truque acontece em outro lugar.
Uma plateia informada sabe que, para não ser enganado, olha-se para os lugares menos iluminados e lá vemos o segredo. Esses truques existem e funcionam há séculos. De lá pra cá são copiados, especialmente na política, por governistas que distraem a população dos atos impopulares.
Hoje vemos um exemplo desse uso de ilusionismo político na política brasileira atual.
Três pautas relevantes para o Governo Federal foram votadas recentemente no Congresso Nacional. Duas derrotas amargas de um lado e uma vitória impopular deixaram a articulação do Governo Lula em alerta.
O Veto ao fim das saidinhas de presos caiu, mas permanece o veto da criminalização de “Fake News” nas eleições.
Estas derrotas deixam explícito o tamanho da fragilidade e obsolescência do modelo petista de presidencialismo de coalizão que já floresceu muito durante o Mensalão e o Petrolão, mas hoje se vê incapaz de fazer valer sua vontade quando pautas impopulares para os parlamentares são colocadas para votação. Um medo compreensível considerando que o novo aliado próximo do Executivo Federal, o STF, também tem caído de popularidade e acarretando uma perda de credibilidade institucional frente a população brasileira.
Desde o PL 2630, o PL da Censura, essa tendência vem se fortalecendo com as redes sociais protagonizando mobilizações a favor ou contra pautas chave. A queda de credibilidade da imprensa tradicional reforça as redes sociais como canal de insatisfação diante de pautas impopulares. Nesse contexto, elas se tornam o principal alvo de tentativas de regulação, controle e aparelhamento das forças tradicionais, mas as coloca sob a proteção de outras forças da oposição, do centro e dos independentes que precisam delas livres de amarras, para que continuem servindo como contrapeso democrático.
Por outro lado, na pauta relevante em que o Governo Federal foi bem-sucedido, uma aprovação em votação simbólica, por acordo de líderes partidários, a taxação de compras internacionais abaixo de 50 dólares. O peso dessas compras internacionais encheu os olhos de dois grupos tradicionais poderosos, o governo federal que não tinha receita das compras até o momento isentas de imposto e os grandes varejistas nacionais que têm como hábito querer manter o mercado brasileiro nivelado por baixo, advogam por barreiras de entrada e taxações protecionistas ao invés do incentivo a inovação e produtividade que poderia evoluir as empresas brasileiras ao ponto de competir no mercado internacional.
Esse resultado virou do avesso a base de influenciadores amigos de Janja. O grupo vem reforçando a promessa de Lula de vetar o projeto de taxação; mas se esqueceram de algo fundamental: o que Lula diz não se escreve. As promessas de Lula têm um prazo de validade ligado a conveniência dele.
Quem se vendeu ao Governo Federal está desde então usando justificativas para manter a credibilidade, mas não tem sido suficiente. Aqui entra a cortina de fumaça e os truques do mágico.
A mentira das praias privatizadas e o risco ambiental
A PEC 003/2022 está no Congresso Nacional buscando mudar as leis que definem o que é conhecido como “terreno de Marinha”. O texto aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado é pequeno e objetivo, não deixando brechas que ambientalistas acusam há anos.

Terrenos não ocupados, áreas de proteção ambiental e áreas de uso de concessões ou de entidades estatais federais continuam sob propriedade da União. Terrenos usados por estados e municípios, bem como por suas concessões, se tornarão propriedade deste respectivo estado ou município.
Pessoas que ocupam regular e legalmente, mas não possuem posse plena, de terrenos de posse da União, passarão a proprietários desses terrenos, tendo posse plena ao invés de ficarem na posição juridicamente insegura de “Foreiros”, uma forma antiquada e até mesmo obsoleta de cessão de uso de imóvel, especialmente quando a posse é do Governo Federal de uma nação onde até o passado é incerto, mas que a defesa das fronteiras marítimas não mais depende de possuir áreas costeiras sob controle da União para desembarque dos soldados da Marinha.
Por fim, áreas ocupadas sem regularização só serão cedidas se for provado que foram ocupadas com boa fé há pelo menos 5 anos da data da publicação da PEC aprovada.
Dessas cessões de propriedade, só serão gratuitas as feitas para habitação social e estados e municípios, todas as outras serão feitas de forma onerosa.
Da cessão onerosa desses territórios foi inventada uma mentira, a que essa PEC trará a privatização de praias, como se uma ocupação privada de praia, com interesses condominiais ou de parques de diversão fechados pudesse ser legalizada pelo texto.
O histórico da farsa
Essa não é uma mentira recente, o Greenpeace a espalha já há alguns anos. Os motivos podem ser mais bem especulados por quem conhece essas organizações com mais intimidade, mas não é incomum entidades ambientais serem financiadas e usadas por poluidores para impedir regulações desagradáveis usando sofismas baratos como argumento para manterem financiadores felizes e militantes bem remunerados. Um exemplo disso foi visto na Europa, onde energia nuclear foi combatida por militância ambientalista financiada por empresas de energia a base de petróleo e carvão.
A mentira se dá porque supostas ocupações de terrenos de marinha com propósitos comerciais não são tema dessa PEC, nem são legalizadas por ela. O tema da PEC são os foreiros, as habitações regularizadas em terrenos a beira mar, as concessões de estados e municípios e repartições destes nesses terrenos.
Ocupar irregularmente terreno da União continuará configurando crime, em caso de ocupação ilegal dos terrenos cedidos aos estados e municípios, lhes daria respaldo constitucional para buscar expulsar a ocupação ilegal sem precisar acionar o Governo Federal, afinal em muitos casos a União não tem braços para cuidar, vigiar e proteger esse território, sendo necessária a delegação da posse aos entes estaduais e municipais.
Essa mentira foi adotada pela ampla rede de influenciadores amigos da Janja, o grupo entrou em estado de engajamento total contra uma falsa tentativa de privatização de praias, mangues e territórios de interesse ambiental à beira mar. O tamanho da mobilização foi atestado pela temática ter chegado, com essa mesma manchete, em jornais de grande circulação, como G1 e BBC, além da Agência Brasil que disseminou a narrativa de interesse do Governo Federal.
A chave dessa estratégia é que não foi iniciada pelo Governo Federal, pois essa narrativa já corria há anos contra o projeto. O texto foi proposto em 2011, aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado. Desde então enfrenta oposição de ambientalistas que defendem uma política a ser executada de forma centralizada pela União. Para eles, delegar essas áreas para proprietários privados ou para estados e municípios é enfraquecer o meio ambiente. Uma grande mentira, afinal o meio ambiente já não é protegido em diversas frentes pelo governo federal. Basta olhar os índices de queimadas no bioma amazônico. É preciso dar uma chance para que o diferente seja tentado através da descentralização.
Dentre os argumentos dados pelos opositores do projeto
• #1: Fragiliza os mais pobres ao lhes dar o certificado de propriedade, os deixando a mercê da especulação imobiliária que os expulsaria de áreas nobres onde já residem;
O argumento acima ignora o fato de que estas pessoas humildes, hoje residentes em terreno de marinha de posse da União, são fragilizadas pela sobretaxação que destrói seu orçamento familiar, pagam além do IPTU, a taxa de ocupação e o laudêmio. Já são pobres e ainda pagam mais imposto.
• #2: Abre brecha para que seja privatizado, em uma situação em que o morador beneficiado com a cessão gratuita da posse de seu imóvel social em terreno de marinha venda essas terras para a especulação imobiliária e essas áreas, por serem de acesso às praias, bloquearia e privatizaria o acesso a elas;
O argumento acima ignora que por força da Lei Federal 7661/1988, que segue inalterada pela PEC 03/2022, as praias são “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”. Além de interesse de estados e municípios desenvolverem orlas e calçadões que incentivem turismo, serviços e comércio local, ou seja, mesmo que surjam condomínios privados em terrenos de marinha, as praias seguem iguais.
• #3: Fragiliza a proteção de áreas de proteção ambiental permanente vizinhas aos terrenos de marinha privatizados, pois incluem rios, mangues e restinga que são essenciais para o ecossistema marítimo e terrestre;
O argumento acima é inválido pelo próprio texto da PEC manter tais áreas sob responsabilidade da União, do Ministério do Meio Ambiente e toda a sua estrutura, que também são responsáveis por garantir que quaisquer empreendimentos, incluindo imobiliários, mesmo em locais vizinhos às áreas de proteção ambiental, não prejudiquem os ecossistemas locais. Isso ocorre também para obras públicas, como foi com a duplicação da BR 101 que corta a reserva natural de Sooretama – ES.
Essa PEC descentraliza propriedade e poder, um pecado capital para quem segue filosofias políticas defensoras de centralização e planejamento da sociedade. Outro indicativo disso é que forças municipalistas a veem como um avanço, cidades e estados teriam propriedade destes terrenos, afinal são eles que investem e desenvolvem tais regiões.
Mesmo forças privadas que olham para essa PEC com desconfiança, fazem isso apenas por desconfiança de que a instalação do novo modelo não gere demora e insegurança jurídica, mas dificilmente argumentam que é negativa a descentralização de poderes.
O que vem a seguir
Agora, aliando senadores do PL e PT, a taxação de compras internacionais abaixo de 50 dólares foi aprovada no Senado. Cresce a urgência de usar essa cortina de fumaça.
O objetivo da mobilização dos influenciadores amigos de Janja é claro. Vão distrair a já insatisfeita militância governista dos atos do Presidente Lula. Querem ocultar a verdade de quem ele não é: o democrata defensor dos pobres que ele propagandeou ser em 2022.
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