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Menos Brasília, mais cidade: política municipal importa

Imagine que você está chegando em casa e vê um papel dentro da sua caixa de correio, ao pegar, lê um aviso da prefeitura. Trata-se de uma regra de padronização de calçada seguindo padrões determinados por uma nova lei. Caso você não siga essa ordem, na próxima fiscalização, dentro de algumas semanas, você receberá uma multa. Esse exemplo não é distante da realidade, temos 5570 cidades no Brasil, cada uma com suas peculiaridades. A maioria das cidades possui uma política municipal interiorana e dependente de bairrismo, coronelismo, troca de favores e/ou compra de votos.

Na base dessa “cadeia alimentar” temos os vereadores, tão poderosos quanto subestimados, até mesmo por eles próprios. Pode parecer loucura como aquele exemplo inicial pode ter se tornado realidade, mas existem dois fatores capazes de explicar projetos assim.

O primeiro é a “sanha arrecadatória” comum a muitos gestores do executivo, mas isso funciona melhor em bairros com maior poder aquisitivo e comércio formal. Nos bairros onde as pessoas não têm como pagar uma multa assim elas simplesmente não pagarão. Nestes locais surge outro fator: pressão nos vereadores com voto naquele bairro.

O efeito dominó das multas em municípios

Mesmo que um cidadão seja incapaz de pagar uma multa assim, ele ainda será importunado e aterrorizado por um fiscal o multando. Com isso se tem o efeito dominó, onde a base eleitoral daquele vereador se reduz e enfraquece.

O vereador tem duas maneiras de resolver: revogar a lei — impossível para um parlamentar inapto ou se o prefeito tiver base aliada majoritária e firme — ou ceder. Quando cede-se e faz-se o que o prefeito quer, o fiscal geralmente faz vista grossa para a multa e deixa o eleitor daquele vereador em paz.

Desnecessário dizer o estresse causado por práticas assim em todos os parlamentares de uma câmara. Usa-se táticas como essa apenas em casos importantes, como aprovação de orçamentos ou contas, propostas ligadas a promessas de campanha ou programas público-privado (PPPs), envolvendo interesses estratégicos ou pessoais.

No que mais a política municipal influencia a vida das pessoas?

Nosso pacto federativo configura tudo, menos uma federação de fato. Poder demais fica na mão da união enquanto estados e municípios definem o resto; ainda assim o pouco que esta na mão dos últimos continua essencial para definir a prosperidade de uma cidade.

Sendo repetitivo, é necessário falar de saneamento por um motivo simples, o que está debaixo da terra e não é visto, dificilmente dá voto. Para a política municipal, mais vale quebrar e refazer o recapeamento da mesma rua cinco vezes do que licitar uma rede de manilhamento capaz de parar o despejo de esgoto na praia. As pessoas se incomodarão pelo trânsito interrompido e o barulho de obra, mas serão forçadas a concordar quando o prefeito/secretário disser: “Estamos fazendo obras!”.

Redes de manilhamento e obras de saneamento, por outro lado, causam profundo incômodo à população, mas quando ficam prontas o resultado não é visto. O resultado é a falta de dor de cabeça com alagamentos, dejetos passando pelas ruas e seu cheiro capaz de acabar com o desempenho escolar infantil. E quando a rua alaga com chuva? Ainda é politicamente lucrativo, para muitos municípios, a política de quebrar e refazer uma rua meia dúzia de vezes por mandato, apenas para mostrar serviço.

Como um zoneamento ruim afeta a população

Como se isto não fosse suficiente, ainda tem se a questão do zoneamento e do plano diretor. Agora, como regras de construção podem definir a qualidade de vida e prosperidade de uma cidade?

Perder muitas horas no trânsito entre sua casa e local de estudo/trabalho ou pagar mais para morar perto destes locais são os resultados de planos diretores e zoneamentos mal feitos. Quantas horas úteis sobram para descanso e trabalho produtivo quando perdemos de 2 a 4 horas para chegar onde trabalhamos?

Após perdermos a calma e paciência e ficarmos mais irritadiços pelo chá de cadeira (para os que têm sorte, os que não a têm tomam chá de canela mesmo) leva tempo para sair do modo estresse e entrar no produtivo ou, ao chegar em casa, sair do estresse para tentar relaxar. Quando planos mirabolantes de gestores estaduais fazem ilhas habitacionais longe dos centros ou fora da malha de transporte urbano gera-se este tipo de improdutividade.

Outro sintoma de zoneamentos mal feitos são zonas estritamente habitacionais, onde ficam totalmente inviabilizados os estabelecimentos comerciais. Nesta situação, eu pergunto: quem vai andar nestas ruas ou ocupar as praças deste local? Leve uma criança para andar de bicicleta e eventualmente irá se achar sem um local para tomar sorvete ou água de coco, mesmo que o queira.

Comércio local é mais que economia, é interação social e a base para construção de comunidade. Criar zonas estritamente habitacionais faz as pessoas se encontrarem em outros locais, longe de onde moram. A consequência natural é passarem a morar em ruas desertas que, quando não localizadas dentro de condomínios fechados, viram alvo para marginalidade.

E quando a União interfere nos Municípios?

Ano passado tivemos a Lei de Liberdade Econômica, e com ela mudanças positivas para toda forma do executivo governar. De Brasília até Água Doce do Norte, nada mais está sendo como antes, exceto pelos prefeitos que tentam diminuir seus efeitos.

Através de decreto ou lei municipal que regule os efeitos da lei federal nas competências municipais, é possível burocratizar o acesso a estas facilidades. Nem mesmo garantias constitucionais estão imunes a isto. Agora imagine a garantia constitucional de imunidade tributária dada a templos, projetos sociais sem fins lucrativos ou livros, onde ninguém os pode tributar ou taxar. Cabe a cada ente definir como se acessa essa imunidade nos tributos e taxas de sua competência, no caso das cidades o IPTU.

Suponha que uma determinada cidade exija uma comprovação anual de atuação daquela instituição imunizada ou não acate imunidade se esta for localizada em imóvel alugado. A justificativa pode variar, pode ser bem criativa, mas ainda acontece e precisa ser vigiado.

Estas leis passam pela votação, aprovação ou vetação dos vereadores, por isso sua importância e poder. Mesmo nas questões onde a gestão é totalmente do executivo, ainda é necessário vigiar a responsabilidade fiscal e a probidade administrativa, vigias estes que são os vereadores.

E o que mais?

Caso ainda não seja o bastante, vamos lembrar que as guardas municipais, as unidades básicas de saúde, bem como programas locais de saúde familiar, e os anos mais importantes do desenvolvimento cognitivo das crianças estão sob primeira responsabilidade dos municípios, ainda assim existe no imaginário popular que ser prefeito é asfaltar rua, trocar poste de luz e fazer praça. Não está errado, mas é irrelevante se comparado às outras responsabilidades do poder executivo.

No caso das responsabilidades dos vereadores, muitos deles nem sabem quais são ou como as executar, esse quadro se agrava quando tratamos de regiões mais afastadas dos centros.

Nós moramos nas cidades, mas pensamos demais em Brasília e menos na política municipal. Essa será nossa conversa semanal nesta coluna, falar dos estados e, principalmente, das cidades onde vivemos.

Nossas cidades não se tornarão melhores para se viver enquanto não começarmos a olhar para como são governadas com real informação e atenção. Neste domingo (15), ocorrerão as eleições municipais e ainda dá tempo de pesquisar um vereador e um prefeito decente para cuidar destas responsabilidades.

Artigo publicado originalmente por Insurgere em Novembro de 2020

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"O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,
Um refúgio tranquilo, um suave remédio.
És tu, casta poesia, ó terra pura e santa!
Quando a alma padece, a lira exorta e canta;
E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte,
Cada lágrima nossa em pérola converte."

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