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O problema dentro do judiciário

Já há alguns anos temos a discussão em torno das reformas estruturais, algumas pra setores específicos e outras pro país como um todo. Via de regra tais reformas envolvem executivo e legislativo, já que estas podem mudar da água para o vinho quando envolvem o judiciário.

Estas reformas são assuntos sensível pois, para funcionarem precisam mudar as regras do jogo e consequentemente alterar rotinas, a forma como procedimentos estatais são realizados e, em última instância, criar ou extinguir bônus e ônus. Aqui começa o problema real: como reformar um sistema onde todo o poder dado a um juiz pode e é usado para legislar em causa própria ou de forma criminosa?

Ativismo no judiciário em áreas cinzentas

É óbvio o quanto a tecnologia e o setor privado avançam em passos mais velozes que o estado, num contexto assim o nosso sistema judiciário, onde as decisões de juízes de base não possuem poder vinculante algum e tradição e jurisprudência tem pouco valor, está em desvantagem ainda maior. Os achismos de legisladores – e também juristas – está acima da análise do caso concreto, um modelo baseado nisto, o common law, possui ampla vantagem para tentar manter o sistema judiciário minimamente alinhado com as necessárias inovações da atualidade. Infelizmente essas palavras são água para o óleo de Brasil.

A Buser é um caso exemplar deste problema. Em janeiro o judiciário carioca proibiu a atuação da empresa por considerar que o transporte coletivo infra e interestadual é competência do poder público conceder a empresas. Uma decisão completamente desconectada da realidade, considerando que a Buser é um serviço de freteamento particular que só possui viagem estabelecida quando um grupo suficiente de pessoas se associa para este frete privado; e também uma decisão totalmente desconectada de jurisprudências similares, como a decisão paulista de legalidade da Buser, já que a mesma está registrada para serviços de freteamento.

A concorrência deste serviço de freteamento privado com o serviço de transporte interestadual com rotas pré definidas e concedidas pelo estado não significa nada além de um fenômeno de mercado. O mesmo fenômeno de mercado onde o transporte rodoviário ou ferroviário competem entre si ou com o transporte aeroviário.

Decisão judicial em causa própria

Juízes possuem direito a 60 dias de férias – sim, isto é fato e totalmente dentro da lei – e quando não tiram todos os 60 dias de férias podem vender estas férias. O total destas vendas de férias, pagas pelos cofres públicos aos juízes, foi de 2,4 bilhões nos últimos quatro anos, o suficiente para pagar por 30 anos o projeto de distribuição de absorventes.

Atualmente essa elite privilegiada do judiciário está em campanha aberta para impedir que este benefício seja nivelado a 30 dias pela reforma administrativa. Uma causa que os interessa bastante, já que esta venda de férias acaba sendo mais uma forma de receberem salários acima do teto constitucional e mandarem a conta para o pagador de impostos. Além da preocupação de aprovar esta necessária reforma no legislativo e no executivo ainda há a preocupação de ativismo judicial após a aprovação, com juízes federais podendo decidir em causa própria para barrar as mudanças.

Esta desconfiança não é mera precaução, no Rio Grande do Sul corre a questão dos Honorários Sucubenciais. Estes honorários são recebidos por advogados quando a causa é ganha e também se aplicam aos procuradores de municípios, estados e da união. Por decisão do STF eles são legais caso haja lei os regulando, o que não é o caso do Rio Grande do Sul, onde estes honorários são pagos por força de liminar, algo que contraria diretamente decisão do STF. De um lado existe uma bancada legislativa querendo impedir o pagamento de um benefício ilegal passando por cima decisão do STF com liminar estadual.

Supreme Court, Brasil
STF. Créditos: Leandro Neumann Ciuffo - Flickr

A situação fica ainda mais moralmente ambígua quando se avalia o fato de que as instâncias superiores do judiciário reajustam o próprio salário para índices exorbitantes, em comparação com cargos similares na iniciativa privada. A situação dos salários e benefícios usados para receber acima do teto – a exemplo da venda de férias de 60 dias onde o lucro da venda dessas férias extras pode ser considerado uma forma de receber acima do teto – é mais uma onde o judiciário decide em causa própria e sem ter a quem recorrer para usufruir do dinheiro tomado como imposto.

Decisão ilegal e em causa própria

Imagine um jovem adulto irresponsável dirigindo embriagado, batendo em uma moto, machucando uma pessoa e fugindo sem prestar socorro. O jovem adulto em questão é preso em flagrante pelos crimes acima, mas solto sem fiança por um juiz que é seu pai e dono do carro que ele dirigia. 

Não precisa imaginar. Este caso aconteceu. O juiz Noé Pacheco ordenou a soltura sem fiança do próprio filho, Lucas Pacheco, após este ser preso por dirigir bêbado o carro do pai e atingir uma motocicleta, machucando uma mulher. Lucas não negou nenhum dos crimes pelos quais foi preso em flagrante, sua postura inclusive sugere que nunca duvidou de estar totalmente protegido pela impunidade. Essa proteção veio quando o próprio pai emitiu alvará de soltura sem fiança pois “o réu não possui renda para arcar com a fiança“. O pagamento de fiança poderia vir do indivíduo irresponsável que entregou o próprio carro para ser dirigido por uma pessoa embriagada, neste caso o próprio juiz Noé Pacheco.

Diversas entidades do setor já se pronunciaram contra o juiz Noé Pacheco, o próprio juiz admitiu sua imparcialidade e admitiu saber o procedimento correto de encaminhar o caso para o tribunal superior devido ao juiz substituto estar de férias. A justificativa para dar a decisão imparcial foi que “certamente levará tempo, acarretando demora injustificada na defesa do autuado”. Mais um exemplo da cultura de privilégios e patrimonialismo dentro do sistema judiciário, uma cultura que para ser mudada exigirá reformas profundas e esforço por parte do legislativo e executivo.

Esta mera possibilidade de mudança ainda vai depender de como se concluirão as reformas discutidas hoje no congresso e que podem afetar o poder judiciário. Se o debate for construído corretamente pelas partes envolvidas então reformas irão evoluir, mas caso o ativismo judiciário se fortaleça então o ambiente de caos irá piorar ainda mais os problemas estruturais brasileiros.

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"O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,
Um refúgio tranquilo, um suave remédio.
És tu, casta poesia, ó terra pura e santa!
Quando a alma padece, a lira exorta e canta;
E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte,
Cada lágrima nossa em pérola converte."

MACHADO DE ASSIS