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Uma análise do proibicionismo

Apesar de ter enganado muitos em 2018 a postura do presidente Bolsonaro sobre o Projeto de Lei 399/2015 reafirma a postura do presidente em favor do proibicionismo e uma das características típicas deste, o inegável desgosto do presidente por toda a tradição científica. Toda a novela da insistência em hidroxicloroquina mesmo após a confirmação de sua ineficácia contra o Covid-19 deixa evidente a realidade da política brasileira representada por seu maior comandante do executivo: a ciência é descartável quando não é politicamente conveniente e este princípio é adotado pelos mais diversos níveis de líderes políticos na nossa nação.

Não é novidade a eficácia dos óleos de canabidiol contra os sintomas de doenças como Alzheimer ou Epilepsia, a própria noção do acesso a estes medicamentos ter sido ilegal até poucos anos atrás e ainda ser extremamente burocratizado é absurda para qualquer médico que conheça minimamente os medicamentos canabinoides. O motivo de ainda ser ilegal é a variedade de razões pelas quais a proibição continua forte a ponto de ameaçar o acesso aos medicamentos derivados desta planta.

As (algumas) consequências da proibição

Quando a proibição começou, retirou deste mercado toda chance de ser composto por participantes pacíficos, de quem planta até quem vende o produto final todos precisam estar dispostos a corromper as instituições democráticas e quebrar a lei para garantir que esse mercado ilegal continue operando para garantir que o consumidor possa fumar uma planta. Sempre necessário relembrar que estamos falando de um crime sem vítima quando um adulto faz uso de uma substância que prejudica ninguém além de si. O problema causado exclusivamente pela proibição é a quantidade absurda de dinheiro movimentado para corromper todas as instituições democráticas e facilitar a impunidade, dinheiro que continuará a fluir pois a demanda é tão anti-ética quanto beber uísque.

Esse problema é intrínseco a proibição de mercados naturalmente pacíficos, a mesma Ambev que durante esta pandemia é uma das que mais lucra com o mercado de bebidas alcoólicas e usa parte desses lucros para doar oxigênio aos hospitais seria tratada como uma organização criminosa na Chicago da Lei Seca e toda esta mesma receita iria para os “Al Capones” corromperem as policias e o judiciário.

Além disto há o estigma, há a propaganda negativa contra uma planta. Cientistas, pacientes e familiares, mesmo que nem cogitem o uso recreativo, são tratados por parcelas da população como se fossem criminosos, igualados aos marginais que cometem crimes reais como assassinato, roubo ou estupro. Ciência é ignorada enquanto respostas fáceis entregues por preconceitos e por quem realmente se beneficia da proibição. Essa é muito mais a regra e muito pouco a exceção.

Proibicionismo institucionalizado contra ciência

Não é incomum, especialmente em tempos de crise, os governantes atenderem as demandas mais irracionais de grupos de pressão pelo simples motivo de não passarem a impressão de estarem apáticos diante da crise. Durante as crises de 1929 ou 2008 quantidades absurdas em dinheiro foram gastas em empresas ineficientes demais para merecer sobreviver, bens de capital e capital humano que deveriam ter sido repassados a quem poderia os tornar mais produtivos foram mantidos nas mãos de quem era produtivo apenas para fazer pressão nos governantes.

O que isto tem a ver com a crise atual do Covid-19? Observe a tabela abaixo:

Contágio, Proibicionismo, Máscaras
Ilustração: Laura Luduvig / Fonte: British Medical Journal/SAÚDE é Vital

Duas medidas comuns em diversos estados brasileiros foram o fechamento de comércios “não essenciais” aliado a redução de horário de funcionamento dos comércios “essenciais” e a redução da frota de ônibus.

Menos horas de funcionamento em locais como supermercados faz mais pessoas se aglomerarem nos horários de funcionamento, auxiliando a propagação deste mesmo vírus que a medida se propõe a combater. O mesmo se aplica aos ônibus, supermercados que funcionam sem funcionários são a mais específica exceção, estes trabalhadores considerados essenciais precisam chegar ao trabalho de algum modo e menos ônibus só aumenta a aglomeração de pessoas, novamente auxiliando a propagação do mesmo vírus que a medida se propõe a combater.

A causa é grupos de pressão querendo os seus longe do trabalho e da possibilidade de serem contaminados? São os governadores simplesmente fazendo qualquer coisa para não passar a impressão de estarem apáticos? A resposta muda de um estado para o outro e mesmo que fossem explicados, dificilmente mudaria a realidade. Tecnocracia não é a resposta, os incentivos continuariam submissos às paixões humanas e não à ciência.

Física Nuclear foi ignorada pela URSS e isso nos levou a Chernobyl. Engenharia ambiental foi ignorada pela mesma URSS e o mar de Aral foi sacrificado. Epidemiologia foi ignorada pelo PCCh em 2019 e o Covid-19 se espalhou pelo mundo. Quando existem incentivos para um líder político temer as consequências de uma falha é quando a ciência é levada a sério como uma garantia que determinada ação realmente irá produzir o resultado esperado. A certeza da impunidade é a verdadeira raiz do anti-cientificismo.

Essa realidade não é exclusiva daqueles que estão em cargos de poder ou às ciências da natureza e exatas, a ciência econômica é uma das mais afetadas pelo anti-cientificismo, ideias consideradas um terraplanismo para a ciência econômica ortodoxa são defendidas como se fosse a coisa mais normal do mundo… E é, ciência é ignorada em favor das paixões humanas.

Toda a situação em torno do PL 399/2015 foi um momento de enxergar quem coloca proibicionismo acima da saúde de incontáveis brasileiros de quem tenta ajudar de algum modo. Vidas nunca deixarão de ser salvas por causa destas plantas, os efeitos delas não dependem da boa vontade de ninguém, mas o acesso a elas pode ser muito dificultado por políticos que lucram politicamente em cima da ignorância e do fanatismo.

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One Response

  1. Italo Samuel Wyatt disse:

    Excelente artigo! Quando as políticas de Estado são opressivas, místicas e negacionistas, a sociedade está fadada ao retrocesso. Parabéns!

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"O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio,
Um refúgio tranquilo, um suave remédio.
És tu, casta poesia, ó terra pura e santa!
Quando a alma padece, a lira exorta e canta;
E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte,
Cada lágrima nossa em pérola converte."

MACHADO DE ASSIS