
Você sabe o que é patrimonialismo?
Quantas vezes você já ouviu a palavra “patrimonialismo” em uma conversa ou uma análise política do estado brasileiro e os políticos que o lideram? O problema de termos como paternalismo ou patrimonialismo é a falta de exemplos concretos capazes de trazer para a realidade estes conceitos necessários para a resolução dos nossos problemas.
Patrimonialismo, em poucas palavras, é quando gestores e servidores dentro do poder público usam o estado e seus poderes como se fossem patrimônio pessoal. Por definição uma lei ou um regulamento deve ter embasamento na vontade democrática, em princípios éticos e/ou científicos. Quando o patrimonialismo entra na equação todos estes somem e dão lugar à vontade e caprichos de poderosos.
Patrimonialismo na história brasileira

Já nos anos 40 o presidente Dutra e sua esposa Carmela se acharam no direito de proibir jogos de azar (Decreto-Lei 9.215-46) e matar um setor inteiro da economia brasileira porque, na opinião destes, os cassinos eram “antros de perdição e pecado”. Não é surpresa que essa cultura de políticos presunçosos que vem se enraizando desde antes da fundação da república tenha chegado ao absurdo de servidores públicos usando equipamento do estado para proveito próprio, especialmente nas cidades.
Mesmo naquela época o patrimonialismo não era novidade, mais de 50 anos antes Rui Barbosa queimou os documentos onde estavam registradas as décadas recentes de escravidão no Brasil. O motivo por trás deste ato controverso era evitar o uso do estado brasileiro para ressarcir os escravocratas. Apesar de ser uma ideia absurda, foi possível de acontecer na última década dos anos 1800. Dentre os golpistas responsáveis pelo 15 de novembro estavam os escravocratas descontentes com a Lei Áurea e exigindo ressarcimento pelo seu “prejuízo”. Com o golpe e a quebra de todas as instituições capazes de frear essa estupidez as portas foram abertas para o uso do estado brasileiro, e os impostos pagos pelas pessoas, para compensar a sanha escravocrata. Este exemplo certamente não pode ser considerado a certidão de nascimento do patrimonialismo à brasileira, patrimonialismo é presente nestas terras desde antes do Império, mas certamente esta tentativa conta como certidão de nascimento do patrimonialismo republicano.
E na atualidade
Nos últimos anos houve o caso de prefeito denunciado por desviar cilindros de oxigênio e os usar para bombear chope em festa particular. Esse desvio causou a falta de oxigênio para uma paciente internada e esta veio ao óbito.
Ou o caso do vereador que ameaçou cortar benefícios trabalhistas de funcionários de empresa do estado.
Ou o caso da denúncia de uso de ambulância para transporte de festa…
Quanto mais olhamos na atualidade mais exemplos encontramos de patrimonialismo no estado brasileiro.
As raízes deste patrimonialismo
Para avaliar a raíz deste problema é preciso considerar alguns fatores, em primeiro lugar a razão por trás do patrimonialismo. Não se trata apenas de querer usar dinheiro alheio para bancar os próprios interesses, mas especialmente garantir a perpetuação deste status. Neste contexto de garantir a perpetuação surge o populismo.
Quando falamos de populismo é necessário lembrar como a cientista política guatemalteca Glória Alvarez explica o populismo, através da divisão da sociedade entre “Povo” e “Anti-Povo” o populista coloca este primeiro setor como a personificação de todas as virtudes imagináveis e a si mesmo como o representante destes e faz do segundo grupo os bodes expiatórios pra todos os problemas da sociedade (quando o verdadeiro culpado, muitas vezes, é o próprio populista). Esta tática não apenas é politicamente lucrativa para o populista, mas também reveste o estado e os que o compõem com uma narrativa de perfeição e de estar acima de “certo” e “errado” porque, na visão de muitos, é o estado quem decide o que são estes dois conceitos.
O patrimonialismo institucionalizado
Aqui vemos o segundo fator que da origem a este caos, instituições fracas. Como apontado por Geanluca Lorenzon, diretor de desburocratização do Ministério da Economia, o sistema brasileiro é deturpado, carregando características presidencialistas e parlamentaristas. Esta deturpação acontece quando, apesar de ter sua legitimidade baseada no voto direto, o chefe do executivo ainda adota práticas como dar cargos no executivo em troca de maioria no legislativo, uma prática mais comum no parlamentarismo, onde o cargo de Primeiro-Ministro depende da maioria no parlamento. Isso vicia de morte a estabilidade democrática porque, ao invés de fiscalizar o executivo, o legislativo torna-se cúmplice por sua maioria ter ligações partidárias íntimas com o executivo.
Não há incentivo para fiscalizar com o devido rigor um executivo que é composto por aliados e companheiros partidários. Esse problema é tão acentuado nas cidades brasileiras que, em alguns casos, as funções do vereador são esquecidas até pelos próprios vereadores.
E a impunidade...
Como se não fosse o bastante, ainda há de se considerar a impunidade. Dos exemplos citados acima, Eurico Dutra morreu sem nunca enfrentar as consequências por matar incontáveis empregos e quase todo o setor de turismo de cidades como Petrópolis, Poços de Caldas, Lambari e Caxambu; quanto ao prefeito de Luiziana-PR, mesmo tendo sido administrativa e criminalmente condenado pelo cilindro desviado e a morte consequente deste ato, seus recursos ainda estão sendo julgados e a prefeitura foi condenada a pagar 160 mil aos filhos da senhora que morreu pela falta do equipamento desviado. Ou seja, uma punição exemplar não foi feita e o dinheiro do pagador de impostos ainda será utilizado para compensar o erro de um criminoso.
Foram necessárias décadas e centenas de pessoas comprometidas com ideias erradas para construir o cenário atual, serão necessários mais vários anos e mais várias pessoas comprometidas com ideias minimamente éticas para consertar o problema e estruturar instituições democráticas e uma cultura de responsabilidade, já que quanto mais o estado cresce, mais a moral e a responsabilidade são terceirizadas.
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"O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio, Um refúgio tranquilo, um suave remédio. És tu, casta poesia, ó terra pura e santa! Quando a alma padece, a lira exorta e canta; E a musa que, sorrindo, os seus bálsamos verte, Cada lágrima nossa em pérola converte." MACHADO DE ASSIS
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